Trinidad: um patrimônio que não perde sua linhagem

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Trinidad, Sancti Spíritus.— Quando em dezembro de 1988, a Convenção Internacional de Patrimônio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) decidiu incluir o centro histórico de Trinidad e seu Vale dos Engenhos na lista do Patrimônio Mundial, formalizou em sua própria declaração duas recomendações que, à luz desses tempos, pareceriam verdadeiras profecias.
A primeira, dirigida especificamente ao Vale, estabelecia a necessidade de proteger a área contra qualquer ação que pudesse alterar «sua integridade ecológica e construtiva», enquanto a segunda sugeria um desenvolvimento do turismo na região», «sem que os conjuntos declarados sofram modificações e usos inadequados».
Lidas friamente as duas exortações, pareceria que os especialistas reunidos em Brasília, entre 5 e 9 de dezembro de 1988, tinham se antecipado vários anos à chamada Tarefa Alvaro Reinoso, que mais tarde iria reestruturar a indústria açucareira no país e, em especial, levar a fechamento do último engenho na região e também tinham profetizado o crescimento sem precedentes do turismo em Trinidad e na área circundante, com o consequente desenvolvimento do trabalho independente, inclusive o surgimento de centenas de hospedarias, paladares (restaurantes), praças de artesanato e confeitarias, mormente ancorados no perímetro de maior relevância patrimonial todo o qual envolveu mudanças significativas nos usos do ambiente urbano.

Quase três décadas depois daquela declaração, especialistas na questão retornam com a boa notícia de que o patrimônio trinitário mantem sua classe, mas também reiteram a importância de lidar com as indisciplinas e deformações que estão atacando a integridade do conjunto nos últimos anos.
«Os valores universais do patrimônio de Trinidad não estão em perigo algum», assevera Ciro Rodríguez, vice-diretor de Controle, da Direção Provincial de Planejamento Físico, que adiantou também que se está trabalhando, atualmente, em um Plano geral de ordenamento urbano, que inclui a área patrimonial do Vale dos Engenhos e que se estenderá a assentamentos costeiros como Casilda e a área montanhosa de Topes de Collantes.
Segundo o diretivo, o anterior não é só seu critério: «Recentemente, Katherine Muller, diretora do Gabinete Regional da Cultura para a América Latina e o Caribe, da Unesco, asseverou que o valor universal excepcional da propriedade do patrimônio mundial em Trinidad foi preservado, e essa opinião especializada é um incentivo».

CORRIGIR A TEMPO
Para descobrir como uma vila puramente doméstica, tranquila, semirrural – sem que o termo ofenda – tornou-se de um dia para o outro em um centro comercial que reúne milhares de forasteiros reclamando alimentação, hospedagem, combustível, estacionamento e folia não faz falta ser especialista em patrimônio ou concluir doutorado em planejamento urbano; simplesmente colocar ambos os pés em uma das ruas da cidade, a mesma que a escritora e folclorista cubana Lydia Cabrera (1900-1991) visitou e descreveu como uma cidade isolada do resto da Ilha, que segundo ela «vivia ou dormia, fora do tempo».
Se, graças à Divina Providência, a estudiosa poderia voltar nestes dias, certamente reconheceria que, de fato, alguns desses becos e palácios trinitários ainda vivem ou dormem fora do tempo, mas também que muitos dos habitantes permanecem muito acordados, às vezes demais, e que mais de um conseguiu violar a legislação em termos patrimoniais.
Algo assim encontrou em abril passado uma inspeção do Instituto de Planejamento Físico (IPF) em que surgiu o que todo mundo estava vendo: violações em mudanças de fachada, mutilações na carpintaria ou grades, instalações de meios técnicos como equipamentos de climatização e geradores elétricos à frente, mudanças de cor sem respeitar os tons originais estabelecidos, cartazes lumínicos sem montagem nos muros e crescimentos em segundos níveis visíveis do exterior.

De acordo com o Planejamento Físico, a maioria dessas violações que afetam a imagem da cidade é fácil de resolver e até mesmo muitas foram resolvidas, mas situações específicas, como os crescimentos mencionados nos segundos níveis, que ignoram a estrutura institucional, terão que avaliadas pelos especialistas e, quando se trata de construções em edifícios de valor mais alto, corrigir significa demolir, embora valha esclarecer que estes são poucos exemplos.
«As transformações feitas no centro histórico de mudanças de fachada, volumetria, e propaganda e atividade por conta própria, todas essas irregularidades e violações devem ser restauradas pela pessoa que cometeu a ação», ressalta Ciro Rodríguez.

“As transformações que foram feitas no centro histórico de mudanças de fachada, volumetria, propaganda e propaganda e atividade por conta própria, todas essas irregularidades e violações devem ser restauradas pela pessoa que cometeu a ação”, comenta Ciro Rodríguez.
UMA CIDADE RELÍQUIA

Como «uma dádiva do céu», chamou a dra. Alicia Garcia Santana a cidade de Trinidad, segundo ela uma verdadeira relíquia, devido à preservação do conjunto urbano em um centro habitado histórico, em termos culturais «uma relevante testemunha patrimonial do país e um dos mais representativos do Caribe».
Um trabalho paciente de estudo, conservação, restauração e promoção mantém os valores de uma área que abrange 50 quarteirões e inclui mais de 200 edifícios, mormente casas representativas da arquitetura doméstica dos séculos 19 e 20, 83 dos quais são reconhecidos com o Grau de Proteção I e são ícones da nação como os antigos Palácio Brunet e o Palácio Cantero e o Convento de São Francisco de Assis.
Até que ponto poderá proteger-se essa herança sem submeter-se aos caprichos do consumo e da modernidade que todos os dias sem o menor pudor aparecem na porta de entrada? É a pergunta que continuam fazendo-se os especialistas do patrimônio e os encarregados de fazer com que se cumpra a lei, regular o impacto dos visitantes – opulento, mas muitas vezes prejudicial – e ordenar o florescimento da iniciativa privada em um espaço pequeno e muito vulnerável.

A resposta – consideram os especialistas – é necessário procurá-la não só no Gabinete do Conservador, Planejamento Físico e a sede do governo local, os principais responsáveis; mas em todas as ruas, em todas as praças, em todas as hospedarias, em todas as confeitarias e especialmente construí-la entre todos os trinitários, inclusive os transgressores e ladinos, dos que não falou dona Lydia Cabrera em sua viagem pelo mar de 1923, quiserem ou não, terão que cumprir a lei.

CUBA NA LISTA DO PATRIMÔNIO MUNDIAL

-1982
Centro Histórico de Havana Velha e seu sistema de fortificações coloniais.

-1988
Centro Histórico de Trinidad e seu Vale dos Engenhos.

-1997
Castelo San Pedro de la Roca de Santiago de Cuba.

-1999
Parque Nacional «Desembarco del Granma». Vale de Viñales.

-2000
Paisagem arqueológica das primeiras plantações de café no sudeste de Cuba.

-2001
Tumba francesa

-2005
Centro Histórico Urbano de Cienfuegos.

-2008
Centro Histórico Urbano de Camaguey.

-2016
A rumba cubana, mistura festiva de dança e música, e todas as práticas culturais inerentes.

-2017
O Ponto cubano.

Fonte: Conselho Nacional do Patrimônio Cultural

-A cidade de Trinidad foi recentemente declarada Cidade do Artesanato,
depois de um extenso processo de avaliação pelo Conselho Mundial de Artesanato. A longa história ali desta demonstração transforma a singular localidade em referência em nível nacional e um exemplo para muitos povos da América.

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