Brasília (Prensa Latina) Em meio a um mundo convulsionado por guerras, turismo saturado e perda de autenticidade, a América Latina levanta sua voz como uma região com propostas que vão além de praias e selvas: ela tem futuro.
“É a única região do planeta com 100% de probabilidade de não entrar em guerra com seus vizinhos”, disse a colombiana Natalia Bayona, diretora executiva do Turismo para as Américas da ONU, à Escáner com exclusividade. Ela está convencida de que o futuro do setor está na América Latina.
Para Bayona, segurança e confiança são pilares essenciais, pois sem eles “não se pode falar de turismo”.
Somando-se a esse clima tranquilo, há um ambiente natural privilegiado. Do México à Patagônia, o território é “absolutamente biodiverso”.
Os números também falam por si: até 2024, a região terá recuperado 97% dos níveis de turismo pré-pandemia da COVID-19 e crescerá mais cinco por cento, afirma o graduado em Relações Internacionais, que mapeia as oportunidades, os riscos e os sonhos que podem fazer da rica região um modelo global de turismo sustentável, inovador e autêntico.
Mas nem tudo são praias caribenhas. A transformação é sentida em lugares como a Colômbia, que tornou o turismo uma política de Estado desde 2006; El Salvador, que rompeu suas barreiras de segurança e atualmente brilha com a Surf City; e a República Dominicana, um exemplo de governança público-privada no setor.
DA PRAIA PARA A ALMA
O conceito de turismo na América Latina está mudando. Emergir não é mais sinônimo de improvisação, mas sim de autenticidade. “O turismo comunitário, o turismo indígena, o artesanato e a moda estão crescendo como nunca antes”, enfatiza Bayona.
A região, tradicionalmente sinônimo de sol e praia, está se diversificando em direção a áreas rurais e destinos com identidade própria.
Nesse sentido, destinos emergentes não são definidos por seu tamanho, mas por sua dinâmica.
“Uma nova praia a ser desenvolvida também pode ser uma praia emergente”, explica ele a Escáner.
O turismo rural, antes invisível, está começando a criar suas próprias rotas: das comunidades nativas mexicanas às terras altas do Equador.
Segundo Bayona, a pandemia ajudou a mudar perspectivas. “As pessoas querem experiências autênticas. É por isso que existem tantas iniciativas contra o turismo de massa”, reflete.
E acrescenta: “A sustentabilidade começa pela comunidade: com preços justos para o artesanato, respeito ao conhecimento local e proteção ambiental”.
CÉUS CAROS E VISTOS DESNECESSÁRIOS
Mas nem tudo está indo bem. A falta de conectividade intrarregional e os altos preços das passagens aéreas continuam a prejudicar o potencial da América Latina. “Muitas vezes, fazer uma viagem com vários destinos nas Américas é mais caro do que na Europa”, lamenta o alto funcionário da ONU.
A solução, ela diz, está em mais voos entre cidades secundárias e melhor infraestrutura nas áreas rurais.
Os vistos também são uma barreira. “A América Latina deveria permitir viagens apenas com o documento de identidade, assim como a Europa faz com o documento de identidade”, sugere ele.
E não se trata apenas de facilitar a mobilidade: “Há muitas pessoas que não têm passaporte. O turismo precisa ser democratizado.”
A Amazônia, um exemplo perfeito de beleza inexplorada, ilustra outro desafio: ela tem todo o potencial, mas carece de infraestrutura.
“Não é que seja subestimado, é que ainda não foi desenvolvido”, esclarece. O turismo científico e de bem-estar poderia florescer ali se fossem desenvolvidas políticas que correspondessem à sua riqueza natural.
A América Latina não é apenas rica em recursos, mas também em criatividade. Há muitos exemplos.
A COVID-19 não apenas interrompeu os voos, como também impulsionou uma mudança na conscientização dos viajantes. “A pandemia gerou mais conscientização em relação às experiências locais”, afirma. E, com isso, uma crescente crítica à superlotação. “Se o turismo não for gerado com regras claras para as comunidades, é difícil que ele avance”, explica.
Bayona destaca a Escáner o papel que a crise desempenhou no surgimento de novos nichos. “Turismo rural, turismo de bem-estar e turismo científico são agora tendências reais que antes eram pouco mencionadas.”
O Peru conseguiu levar sua culinária a todos os cantos, do popular ceviche à alta gastronomia, comemora Bayona.
Até mesmo territórios assolados por conflitos encontraram um caminho de transformação no turismo. “Na Colômbia, alguns ex-combatentes agora são guias turísticos. Isso é pura inovação social”, diz ele com admiração.
No Cone Sul, as rotas jesuítas unem história, espiritualidade e cooperação regional. O Panamá, que antes oferecia apenas o canal e compras, está promovendo a observação de pássaros e o turismo de bairro.
“Inovação não é apenas criar algo novo, mas sim dar vida a isso e torná-lo lucrativo a longo prazo”, define.
Surf City em El Salvador, as cidades mágicas no México e as zonas francas de turismo em Cartagena são paradigmas de como territórios esquecidos podem ser transformados em centros de atração internacional.
DE OLHANDO PARA O FUTURO: IDENTIDADE, TECNOLOGIA E JUVENTUDE
As próximas tendências apontam para a autenticidade. “As pessoas não querem apenas praia; elas querem vivenciar o artesanato, a moda e as raízes culturais. É isso que dá sentido à viagem”, confirma Bayona.
Nesse contexto, tecnologias emergentes como a inteligência artificial permitem experiências personalizadas, mas o desafio é que essas práticas digitais se materializem ao chegar ao destino.
Cidades intermediárias — com mais de 500.000 habitantes — estão surgindo como o novo destino turístico.
“As pessoas não querem mais apenas visitar capitais, mas também fazer escapadas de fim de semana, explorar cidades próximas e vivenciar a vida local”, explica ele. Isso abre uma oportunidade de ouro para eventos, gastronomia e passeios literários e musicais.
E, acima de tudo, o futuro está nas mãos dos jovens. “Tenho 40 anos e sou a primeira mulher com menos de 40 anos a se tornar diretora executiva da ONU Turismo”, diz ela com orgulho a Escáner, enfatizando que “os jovens devem assumir a liderança para fortalecer a América Latina”.
Na opinião de Bayona, a região não precisa copiar o modelo europeu, mas sim criar o seu próprio.
As condições são diversas: juventude, diversidade, criatividade, consciência ambiental. Mas também é urgente avançar na regulamentação, na governança e na cooperação regional.
A visão é clara: “O turismo é a ferramenta mais prática para gerar coesão social. Ele pode tirar comunidades da informalidade, criar empregos, desenvolver líderes e preservar comunidades locais.”
O turismo não é mais apenas uma viagem. É uma forma de vivenciar a terra, de construir uma nação e de curar as feridas do passado com inovação e autenticidade, observa ele. E conclui, com convicção, mas não triunfante: “Acredito que temos tudo para fazer da América Latina um exemplo global.”
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